Quem Muito Cobra, Pouco Entrega?

Compartilhe:
Quem Muito Cobra, Pouco Entrega?

Introdução

No mundo dos investimentos, um dos debates mais persistentes gira em torno da capacidade dos gestores de recursos realmente gerarem valor aos investidores — especialmente quando levamos em conta as taxas de administração cobradas. Embora esse tema já tenha sido amplamente estudado em mercados desenvolvidos, como os Estados Unidos, as dinâmicas em economias emergentes, como Brasil e África do Sul, são bastante distintas. Exploraremos aqui as perspectivas acadêmicas e práticas sobre quanto um gestor ativo pode cobrar sem comprometer o valor entregue ao cliente.

O que é Alfa?

No contexto da gestão de investimentos, "alfa" representa o retorno excedente que um gestor consegue gerar em relação a um índice de referência (benchmark), ajustado ao risco. Em outras palavras, é uma medida da habilidade do gestor em entregar desempenho superior ao que seria esperado apenas por exposição ao mercado. Um alfa positivo indica valor gerado acima do esperado; um alfa negativo, destruição de valor.

O Valor da Gestão Ativa: O Que Diz a Literatura?

Uma das contribuições mais influentes nesse campo veio de William Sharpe (1991), que argumentou em "A Aritmética da Gestão Ativa" que, coletivamente, gestores ativos não conseguem superar o mercado após custos e taxas. Essa conclusão fundamentou o ceticismo em relação a estratégias ativas caras.

Fama e French (2010) expandiram esse raciocínio ao analisar milhares de fundos nos EUA, constatando que a maioria entrega alfa negativo líquido de taxas, mesmo que alguns consigam gerar alfa bruto positivo. Conclusão: poucos gestores têm habilidade suficiente para justificar o que cobram.

Berk e Green (2004) ofereceram uma abordagem teórica, propondo que as taxas sobem até absorver todo o alfa gerado em equilíbrio. Ou seja, mesmo que haja gestores habilidosos, a concorrência pelos seus serviços faz com que o investidor acabe recebendo zero de retorno excedente líquido.

Uma visão mais otimista vem de Cremers et al. (2016), que demonstraram que gestores com alto active share (medida de quão diferente é a carteira em relação ao índice de referência) e baixa rotatividade tendem a apresentar melhor desempenho. Ou seja, gestão ativa genuína e eficiente pode sim agregar valor.

Definindo uma "Taxa Aceitável"

Em mercados desenvolvidos, onde a eficiência é alta e as oportunidades de alfa são escassas, a taxa considerada aceitável — ou seja, aquela que permite entregar valor líquido positivo ao investidor — costuma variar entre 0,3% e 0,8% ao ano.

Essa estimativa se baseia na média de alfa bruto observada e nas estruturas de custos típicas. Por exemplo, se um gestor habilidoso entrega 1,0% de alfa bruto, uma taxa de 0,5% ainda deixa um benefício líquido de 0,5% ao cliente.

Mas o que muda nos mercados emergentes, onde as ineficiências são mais pronunciadas?

Por Que Mercados Emergentes São Diferentes

Mercados como o Brasil e a África do Sul diferem dos desenvolvidos em vários aspectos-chave:

  1. Menor Eficiência de Mercado: Com menos analistas, menor volume de informações públicas e menor liquidez, surgem ineficiências de precificação que podem ser exploradas por gestores qualificados.
  2. Limitações dos Índices de Referência: Índices como o Ibovespa ou o JSE ALSI nem sempre refletem de forma fiel o universo investível, tornando mais viável a geração de retornos superiores.
  3. Maior Tolerância a Taxas: A baixa penetração de fundos passivos e a menor transparência fazem com que muitos investidores aceitem taxas mais altas sem questionar.
  4. Custos Operacionais Relativamente Altos: Gastos com conformidade regulatória, tributos e distribuição podem ser mais elevados, o que ajuda a explicar estruturas de taxas mais agressivas.

No entanto, esses fatores não alteram o princípio fundamental: se a taxa cobrada excede o valor gerado, o investidor sai perdendo.

Evidência Acadêmica no Brasil

Diversos estudos analisaram o desempenho de fundos de ações no Brasil:

  • Bessa, Famá & Famá (2010) identificaram que, apesar de alguns fundos apresentarem sinais de alfa bruto, a maioria teve desempenho inferior após taxas, que variam comumente entre 2% e 3% ao ano.
  • Ambrozio & Cortez (2020) aplicaram métodos de bootstrap e verificaram que apenas cerca de 5% dos gestores entregam alfa estatisticamente significativo de forma consistente.
  • Perossi & Eid Jr. (2007) mostraram que, na média, o desempenho ajustado ao risco não justifica as taxas cobradas.

Esses resultados indicam que a faixa aceitável de taxa de administração seria de 0,5% a 1,2%. O mesmo é observado em outros países emergentes, com mercados similares ao brasileiro.

Implicações para Investidores e Gestores

Para investidores:

  • Desconfie de taxas elevadas, a menos que haja evidência sólida e recorrente de geração de valor.
  • Considere alternativas passivas, a menos que o gestor apresente alfa persistente, active share considerável e custos alinhados com o intervalo aceitável para o Brasil.

Para gestores:

  • As taxas devem estar alinhadas ao valor entregue. Cobrar 2% em um cenário onde o alfa líquido é zero é indefensável.

E a taxa de perfomance?

Embora modelos híbridos (com taxa de performance) sejam comuns, há evidências de que eles podem induzir gestores a assumir riscos excessivos, prejudicando o desempenho de longo prazo. Estudos como o de Brown, Harlow & Starks (1996) indicam que a estrutura de incentivos baseada em performance pode levar gestores a se afastarem de estratégias ótimas em busca de retorno acima do benchmark, comprometendo a consistência da alocação e, por consequência, os resultados dos fundos.

Considerações Finais

Mercados emergentes oferecem oportunidades reais de alfa — mas apenas para quem sabe explorá-las. Embora as ineficiências desses mercados possam justificar taxas um pouco mais elevadas, isso não deve ser desculpa para baixo desempenho. Gestores que desejam construir relações duradouras com seus clientes precisam alinhar suas estruturas de remuneração à criação comprovada de valor ajustado ao risco.

Uma taxa de administração aceitável em mercados emergentes? Provavelmente entre 0,5% e 1,2%.

Referências Bibliográficas

Sharpe, W. (1991). The Arithmetic of Active Management.

Fama, E. F., & French, K. R. (2010). Luck versus Skill in the Cross-Section of Mutual Fund Returns.

Berk, J. B., & Green, R. C. (2004). Mutual Fund Flows and Performance in Rational Markets.

Cremers, M., Ferreira, M., Matos, P., & Starks, L. (2016). Indexing and Active Fund Management: International Evidence.

Bessa, M., Famá, R., & Famá, R. (2010). Performance e persistência dos fundos de ações no Brasil.

Ambrozio, L., & Cortez, D. (2020). A eficiência dos fundos de ações brasileiros.

Perossi, M. T., & Eid Jr., W. (2007). Avaliação do desempenho de fundos de ações no Brasil.

Koekemoer, R., & Steyn, B. (2018). An analysis of the performance of South African general equityunit trusts.

Wessels, A., & Krige, N. (2020). Performance persistence in South African equity funds.

Brown, K. C., Harlow, W. V., & Starks, L. T. (1996). Of tournaments and temptations: An analysis of managerial incentives in the mutual fund industry.